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Vampiros na ficção


Se nas últimas décadas a cultura pop de mass media nos brindou com centenas de filmes e livros com a temática vampiresca, é necessário dizer que o culto e o medo à figura do sugador de sangue provavelmente remonta ao período pré-escrita, onde a crença nas propriedades mágicas do sangue já eram encontradas no mundo todo.

Os primeiros relatos de pessoas que retornavam do mundo dos mortos para atacar durante a noite data do século XII, e foi feito por um historiador inglês – William de Neuburgh, culminando numa grande onda de relatos muito semelhantes por toda a Europa durante os séculos XVI ao XVIII e dando origem a termos como Vampir, Upyr e Vukodlak.

Em 7 de janeiro de 1732 o médico austríaco Johannes Fluckinger faz um relato sobre uma série de eventos na Vila de Meduegna, cujo relato joga luz sobre a vida de Arnold Paul, o primeiro relato sobre vampiros levado a sério e que realmente conta uma história de arrepiar:

Arnold Paul (ou Paole) nasceu em 1700 em Meduegna, na Sérvia (na época, parte do império austríaco). Serviu no exército e retornou ao vilarejo em 1727, e os moradores e vizinhos logo notaram certa tristeza no semblante do homem, que àquela altura era noivo de uma camponesa. Ele confessou à noiva ter sido atacado por um vampiro durante sua estada na Sérvia Turca. Relatou ainda ter matado o vampiro, comido terra de seu túmulo e passado o sangue em seu corpo para se livrar de seus efeitos nefastos. Pouco depois, porém, Paul foi morto em um acidente. A partir de então, relatos sombrios foram feitos pelos habitantes do lugar: Haviam visto Paul em diversos locais de Meduegna. Pior: quatro pessoas que relataram ter avistado Paul após seu sepultamento morreram de forma estranha. Assim, no 40° dia após seu enterro, os moradores decidiram abrir seu túmulo e tiveram uma desagradável surpresa – na presença de médicos e militares, encontraram um corpo ainda intacto e com unhas que continuavam a crescer. Temendo ter realmente encontrado um vampiro real, seu corpo foi decapitado e queimado, bem como das quatro pessoas que morreram após seu avistamento. Porém, em 1731, 17 novos casos fizeram com que desenterrassem mais de 40 corpos que tiveram o mesmo destino.

Em 1765 o naturalista Louis Lecrerc descobriu nas Américas um tipo de morcego que se alimentava de sangue de outros animais, dando a ele o nome de Morcego-Vampiro. Até então não haviam associações deste animal com o fenômeno.

No século XIX o anglo-italiano John Polidori – que acompanhava Lorde Byron e Mary Shelley (autora de Frankenstein) no grupo de autores que contavam histórias para mútuo entretenimento -, ouviu de Byron uma história sobre um homem que, à beira da morte, pedia para seu companheiro de viagem não contar sobre sua morte a ninguém. Conhecedor da história de Arnold Paul, Polidori cria o vampiro aristocrata Lord Ruthven na obra “The Vampyre”, que acabou entrando para a história como a primeira obra literária sobre o assunto, e é tido por historiadores como a base da ficção moderna sobre vampiros, inspirando diversas peças de teatro por toda a Europa.

Com base em Polidori, é lançada o primeiro livro com temática vampírica, em 1840 – Varney the Vampyre, de James Malcom Rymer. Rymer e Polidori criam o poder do luar sobre o vampiro para reviver seu cadáver.

A introdução da estética gótica nas histórias de vampiros ocorrerá somente em 1872 por Le Fanu em seu conto “Carmilla”, texto que trazia também as primeiras insinuações sobre os poderes de sedução erótica destes seres.

Bram Stoker e o alçamento dos vampiros ao título de mito universal

O irlandês Abraham “Bram” Stoker (1847 – 1912) encontrou no teatro a sua vocação. Uma noite, após ler o romance “Carmilla”, de Le Fanu, ele sonha com um vampiro levantando de seu túmulo. Impressionado, Stoker inicia uma série de pesquisas e, nestas pesquisas, encontra a história de Vlad Dracul, da Transilvânia – nobre do século XV que se destacava por sua ferocidade nas guerras e por empalar e beber o sangue de seus inimigos (há também o caso da Condessa Elisabeth Batory, a Condessa Sangrenta, que bebia o sangue das mulheres bonitas para conservar sua juventude, cuja história foi bem retratada no filme brasileiro Rio Cigano). De uma forma inusitada, Stoker resolveu contar a história pelos olhos de diversos narradores-observadores, através de diários, cartas e recortes de jornal.

Assim surgia “Dracula”. Imediatamente criticado, foi duramente comparado ao “Frankenstein”, de Shelley. Nenhum crítico da época chegou próximo a acreditar que estavam diante de um marco na história da literatura mundial.

Stoker morreu pobre em abril de 1912. Sua viúva passou então a receber os direitos autorais sobre sua obra, e logo percebeu o potencial fílmico de “Dracula”. Assim vendeu os direitos para companhias de cinema, vendo a obra de seu marido ser estrelada por Bela Lugosi, Gary Oldman e filmado por Francis Ford Coppola, entre outros. Junto com Sherlock Holmes, o Conde Dracula detém o título de personagem mais vezes retratado na grande tela.

Antes do Dracula de Bela Lugosi (1931), uma adaptação do cinema expressionista alemão faria enorme sucesso entre os fãs, sendo até hoje cultuado como um filme clássico. Estamos falando de Nosferatu – eine symphonie des garuens. Basta comparar o enredo do filme dirigido por Murnau com o Dracula de Francis Ford Coppola para ver o quanto o Dracula de Bram Stoker influenciou Nosferatu.

A atuação de Lugosi em Dracula foi tão marcante que até hoje é tido como a figura clássica do vampiro: um aristocrata estrangeiro que se veste de maneira formal. Mas foi somente em 1958, com o Dracula da Hammer Studios, que o ator Christopher Lee usou pela primeira vez os caninos prolongados, que marcariam para sempre o visual vampiresco. Lee participou das produções da Hammer de 1958 a 1973, ficando marcado para sempre como um dos mais importantes atores a representar a figura de Dracula.

Paralelo a isso, nos Estados Unidos estreava a série para a TV Dark Shadows. Com a queda da novela nas pesquisas, a produtora decide incorporar outro personagem à produção. Em 1967 surge o primeiro “vampiro-não-Dracula” a ter enorme sucesso comunicativo – tratava-se de Barnabas Collins, interpretado por Jonathan Frid. Nesta caracterização, Barnabas tornou-se o primeiro vampiro a ser retratado integralmente como um herói trágico em busca de uma fuga de sua existência não-morta ou como um anti-herói demoníaco.

E então, em 1976, surge o fabuloso romance Entrevista com o Vampiro, de Anne Rice.

Anne Rice e as dicotomias vampíricas

Juntamente com Dracula e Barnabas, a imagem do vampiro moderno também recebe influências de Lestat, de Anne Rice. Irlandesa, Rice se coloca logo na adolescência com uma forte oposição à Igreja Católica Apostólica Romana – e isso é muito importante para compreender a obra Entrevista com o Vampiro. Literalmente é uma oposição à figura de Jesus Cristo e a do Deus católico.

Em 1985, lança The Vampire Lestat, desenvolvendo ainda mais a figura de Lestat e fortalecendo sua obra anti-cristã. Lestat era influenciado pela poesia e pela música e facilmente se emocionava (opondo-se portanto ao sempre frio e maligno Dracula – embora suas ações tenham sido sempre pautadas pelo amor à sua princesa e pela mágoa com os cristãos).

Com os direitos comprados pela Paramount, dos Estados Unidos, Entrevista com o Vampiro foi estrelado por Tom Cruise e Brad Pitt (como o vampiro Louis).

A saga Crepúsculo e a imagem do vampiro contemporâneo

Já no novo milênio, Stphenie Meyer nos brindou com a saga Crepúsculo, redefinindo a imagem do vampiro contemporâneo. Publicado em 2005, mostra a paixão entre a mortal Bella Swan e Edward Cullen, colocando em risco a família da moça. A saga traz um elemento novo ao ideário vampiro – o lobisomem Jacob e os clãs de homens lobos como inimigos naturais dos vampiros. Na trama, a família de Cullen deseja o sangue de Bella, que é sempre salva por Edward.

Crepúsculo é rapidamente adaptado ao cinema, e, em 2008, a saga vira filme pelas mãos de Catherine Hardwicke, tendo Kristen Stewart como Bella Swan e Robert Pattinson como Edward Cullen. O filme rapidamente alcança os primeiros lugares de audiência no mundo todo, obtendo lucro de cerca de 700 milhões de dólares.

Assim, do vampiro literário do século XIX chegamos rapidamente ao vampiro cosmopolita, com problemas e dualidades tão humanas quanto suas capacidades emotivas, contrapostas aos seus poderes definitivamente não-humanos. Se no século XIX os autores tinham a clara motivação de abordar os dilemas do lado obscuro do ser, hoje estes dilemas tornam-se mais setorizados, com frequentes tentativas de abordar problemas da adolescência e do início da vida adulta.

E como todo fenômeno psycho mass, o vampirismo também adquiriu popularidade sobrenatural, e hoje é comum encontrar praticantes da religião vampírica, baseados na Bíblia Vampírica, cujas três primeiras frases são: “Eu sou um Vampiro. Eu adoro o meu ego e eu adoro minha vida, pois sou o único Deus que existe. Eu tenho orgulho de ser um animal predador e eu honro meus instintos animais”.

Não há sinais no mass media de que os vampiros um dia sairão de moda. A construção do ideário se deu paulatinamente e ainda está em transformação – mostrando que a figura do sanguessuga se molda de acordo com os dilemas e com as sombras da humanidade.


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