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Resenha - E eu, só uma pedra.


Esta resenhista que vos fala teve a sorte de nascer filha de uma professora apaixonada por livros infantis. Não é à toa que, desde muito cedo, estes livros me fizeram companhia, e ainda hoje, são um dos meus gêneros favoritos. O escritor de literatura infantil tem uma grande responsabilidade nas mãos: apresentar aos pequenos o poder das palavras. Se não o fizer bem, o resultado pode ser catastrófico.

Ante esta minha natural relação com livros infantis, nada mais justo que a minha primeira resenha seja sobre um livro escrito para crianças. “E eu, só uma pedra”, do Helton Pereira, foi o vencedor do I Prêmio CEPE Nacional de Literatura, na categoria infanto-juvenil. Tenho a sorte de conhecer o autor e tê-lo como amigo pessoal, mas não me canso de ser surpreendida pelo talento dele com as palavras.

“E eu, só uma pedra” é um livro que narra a trajetória da Pedra, como ressaltou o autor, “com pê maiúsculo, para diferenciá-la das demais”, mas que fala muito bem da trajetória de qualquer um de nós como ser humano. Pelo menos, fala muito sobre mim.

Pedra é o que é, um mineral, nascido na boca de um vulcão, que viu o mundo modificar-se até virar o que é como só uma pedra poderia ter feito. Apesar de tão boa quanto qualquer outra pedra, nossa protagonista é pequena demais para ser pedra angular de um castelo, ou para ajudar reis a irem de um lado para o outro. Isso faz com que Pedra se sinta pouco importante, sem imaginar que sua aventura começa quando um Carlos tropeça nela no meio do caminho.

Sim, esse Carlos é o Drummond de Andrade, o mesmo para quem o anjo torto chegou e disse: “Vai, Carlos! Ser gauche na vida”. É ai que Pedra começa a ter contato com a palavra escrita, servindo de peso para os papéis onde elas se faziam, e, de escritor em escritor, vai tomando gosto pelas histórias que aprendeu a ler e, por fim, vai aprendendo a contar para os outros minerais.

Em se tratando de um livro infantil, não podemos deixar de falar do trabalho do ilustrador. O Cau Gomez fez um trabalho primoroso em cada um dos desenhos que acompanham a obra, nos levando para dentro do universo da Pedra com uma delicadeza inigualável. Vocês podem ver mais do trabalho do ilustrador aqui.

Existem dois pontos que eu realmente adoro nesse livro, para além da escrita extremamente fluída e da perfeita humanização da Pedra. O primeiro deles é que, apesar de ser um livro voltado para crianças, todos os autores citados são nacionais e com uma literatura adulta. O autor perpassa por Carlos Drummond, Cecília Meireles, Rachel de Queiroz e Paulo Coelho. O segundo ponto é que, inclusive pela limitação imposta pelo gênero escolhido, a obra não se fixa na obra dos autores, mas na sua humanidade. No modo como eles escrevem e como se relacionam com a Pedra e com suas palavras.

Não esperem um livro que faça um compêndio sobre a literatura nacional, ou muito se aprofunde em cada autor. Lembre-se, é um livro para criança, de 30 páginas apenas, mas te faz perceber que, mesmo uma pedra pequena, é capaz de fazer grandes coisas – mesmo que seja segurar as folhas de papel onde é escrita a história do mundo. “E eu, só uma pedra” faz com que nos sintamos grandes, a medida em que Pedra, pequena, descobre sua própria grandeza.

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