Desvendando o poeta - Catulo
- Por Gabriel Yukio Goto
- 5 de mai. de 2017
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Gaius Valerius Catullus (87-57 a.C) nasceu em Verona e conheceu Roma aproximadamente em 62 a.C, um dos maiores centros culturais da época. Presenciou os últimos anos da República Romana, época de guerras civis e turbulência social: A revolta dos escravos liderados por Espártaco (73-71 a.C), a conspiração de Catilina (63 a.C), o 1° triunvirato (60 a.C), as campanhas de César na Gália e na Britânia (entre 58 e 55 a.C) e etc…
É considerado o maior representante de um grupo de poetas e intelectuais chamado Poetae Noui, que do latim significa “Os novos poetas”. Nome dado por Cícero (106-43 a.C) em um tom pejorativo, visto que esse grupo era uma oposição ao antigo estilo nacionalista e épico da elite cultural romana. Liderados por Catulo, escreviam poemas líricos em uma estética alexandrina e helenística que já eram utilizados na Grécia desde o século III a.C, incluindo a poesia latina entre as mais sofisticadas.
Mas, em que eram embasadas as críticas aos novos poetas? É preciso entender a questão social ao final da república.
O amor em Roma era considerado uma doença, um delírio passageiro. Isso porque a paixão amorosa alienava a mente e tornava o ser apaixonado dependente de outra pessoa, e sob o domínio dessa paixão, o homem perderia o seu poder. Por isso, a relação homem-mulher era apenas matrimonial, fazendo com que a única tarefa da mulher fosse a fecundação. Com a influência do helenismo, os tabus foram sendo quebrados levando ao reconhecimento do amor como fonte de vida espiritual.
Catulo ajudou a discernir esse pensamento, já que assim que colocou os pés em Roma acabou se apaixonando por uma mulher já comprometida com o governador da Gália Cisalpina, Clódia, tornando-se seu amante. Por se tratar de um forte nome social da época, Catulo criou um pseudônimo para protegê-la, Lésbia, inspirado na poetisa grega Safo de Lesbos, cujo poeta veronense era admirador.

“...pois uma vez
que te vi, Lésbia, nada em mim sobrou.”
(Catulo, poema 51)
Lésbia tornou-se a principal fonte dos poemas catulianos, visto que hoje restam 116 poemas de sua autoria e muitos sendo do Ciclo de Lésbia, sendo o que também contém o maior número de traduções do Latim Clássico para a Língua Portuguesa. No poema V Catulo vive o auge de seu amor com Lésbia.
“Vamos viver, minha Lésbia, e amar,
e aos rumores dos velhos mais severos,
a todos, voz nem vez vamos dar. Sóis
podem morrer ou renascer, mas nós
quando breve morrer a nossa luz,
perpétua noite dormiremos, só.
Dá mil beijos, depois outros cem, dá
muitos mil, depois outros sem fim, dá
mais mil ainda e enfim mais cem – então
quando beijos beijarmos (aos milhares!)
vamos perder a conta, confundir,
p’ra que infeliz nenhum possa invejar,
se de tantos souber, tão longos beijos.”
(Catulo, poema 5)
Porém, não só de amor vivia Catulo. Ao ser constantemente criticado pela velha-guarda romana, acabou por desabafar em seu poema XVI, sendo esse considerado como um dos mais obscenos poemas de toda a história. Satirizavam o fato dele escrever sobre o amor, como se isso fizesse dele menos homem, por isso o neoteroi (novo poeta em grego) respondeu-os da seguinte maneira:
“Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos,
Aurélio bicha e Fúrio chupador,
que por meus versos breves, delicados,
me julgastes não ter nenhum pudor.
A um poeta pio convém ser casto
ele mesmo, aos seus versos não há lei.
Estes só tem sabor e graça quando
são delicados, sem nenhum pudor,
e quando incitam o que excite não
digo os meninos, mas esses peludos
que jogo de cintura já não tem
E vós, que muitos beijos (aos milhares!)
já lestes, me julgais não ser viril?
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos.”
(Catulo, poema 16)
Voltando-se novamente para o seu relacionamento com Lésbia, Catulo deixa transparecer a sua felicidade, como já mostrado no poema V e agora no poema LXXXVII:
“Mulher alguma pode se dizer bastante
amada quanto amada é por mim Lésbia.
Em pacto algum jamais houve tanta confiança
quanto a que em mim se viu em teu amor.”
(Catulo, poema 87)
No entanto, com o passar do tempo ele vai percebendo que o sentido do amor para a sua amada é diferente do seu. Como pode ser observado no poema XCII:
“Lésbia só fala mal de mim, sempre, e não cala
nunca; que eu morra se ela não me ama.
Como sei? Também tenho tal sintoma; ataco-a
muito: que eu morra, sim, se não a amo.”
(Catulo, poema 92)
Ao citar os seus ataques, estes podem ser evidenciados no poema LVIII:
“Célio: nossa Lésbia, aquela tal Lésbia,
Lésbia, aquela, única que Catulo
amou mais que a si e todos os seus,
agora nos becos e encruzilhadas
descasca os filhos de Remo magnânimo.”
(Catulo, poema 58)
Nesse poema, Catulo usa o verbo em latim “glubit” (traduzido como descascar, mas eu acredito que engolir seria mais apropriado).

Seriam essas as duas primeiras fases do amor, a primeira apaixonada (como no poema V), a segunda de revolta quando o amor vai mal das pernas e você com raiva se exalta (como no poema LVIII), mas o terceiro e final estágio é o de aceitação, o da saudade e a tentativa de se afastar da pessoa querida (como no poema LXXVI):
“(...) Difícil é deixar súbito um longo amor.
É difícil, mas tenta como podes. (...)”
(Catulo, poema 76)
Finalizando sua questão amorosa com a questão emblemática do amor paradoxal, no segundo verso usando a palavra “excrucior” que significa submeter-se ao castigo da cruz, pena reservada apenas para os escravos e, por isso, considerada infâme, o poeta apresenta o seu desespero, um sentimento de culpa por anos ter alimentado um amor em vão.
“Odeio e amo. Talvez queiras saber "como?"
Não sei. Só sei que sinto e crucifico-me.
(Catulo, poema 85)
Sem o amor de Lésbia, Catulo reflete como o ócio lhe foi prejudicial, pois viveu de amor enquanto podia ter focado na política. Visto nos poemas LI e LII:
“O ócio, Catulo, te faz tanto mal.
No ócio tu exultas, tu vibras demais.
ócio já reis e já ricas cidades
antes perdeu.”
(Catulo, poema 51)
“Morre sem demora, Catulo!
Nonius, o furúnculo,
senta-se na curul.
Vatinius, agora,
é o cônsul do perjúrio.
Que demora, Catulo!
Morre.”
(Catulo, poema 52)
Por fim, resta apenas esperar a morte enquanto Lésbia se diverte com os seus amantes.
“Vá viver e gozar com seus amantes,
que, juntos, uns trezentos ela agarra
nenhum de fato amando mas os membros
rompendo em todos
e não se volte mais ao meu amor
que caiu por sua culpa como a flor
do último prado, em que, passando, o arado
então tocou.”
Podemos observar a progressão dos poemas de Catulo, um primeiro ciclo falando de seus momentos felizes amorosos, um segundo retratando à separação e um terceiro, com reflexões do poetas em relação ao rompimento e a sua desilusão amorosa.
Catulo foi o poeta latino que melhor expressou os seus sentimentos, sendo o pai do lirismo que foi se moldando para se tornar esse que conhecemos hoje, tendo em sua relação duas visões diferentes sobre o amor, Catulo amava Lésbia e vice-versa, mas de maneiras diferentes. Enquanto ela se libertou das correntes patriarcais que a prendiam como simples incubadora, o poeta se libertou da mesma forma, permitindo que seus sentimentos transbordassem em uma poesia única e sincera.
Referências Bibliográficas:
* http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno12-16.html
* http://www.elfikurten.com.br/2016/02/catulo.html
* http://primeiros-escritos.blogspot.com.br/2008/02/catulli-carmina.html
Traduções dos poemas por João Oliva Neto.
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